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Nota da Faculdade de Educação

Em 31/03/20 12:49.

Sobre COVID-19 e o uso da EaD na Educação Básica.

Um novo agente do coronavírus foi descoberto no final de 2019 na China e provoca a doença COVID-19, declarada como pandemia a partir de 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse momento, o Brasil já havia sido alertado, começando a se preparar para lidar com a doença e uma das medidas tomadas nos estados e municípios foi a suspensão temporária das aulas da Educação Básica e da Educação Superior como tentativa de redução de seu contágio e disseminação. Dentro desse contexto, em sua primeira reunião no dia 16 de março de 2020, o Comitê Operativo de Emergência (COE) do Ministério da Educação (MEC) apresentou algumas ações e recomendações, dentre elas a de prever a autorização do uso da educação a distância (EaD) em substituição de aulas de cursos presenciais, seguindo a tendência utilizada por outros países.

Em seguida, publicou a Portaria MEC n° 343, de 17 de março de 2020, dispondo sobre a substituição de aulas presenciais na educação superior por aulas em meios digitais, a qual autoriza por até 30 dias essa substituição, podendo prorrogá- la a depender do quadro no Brasil.

Com relação à Educação Básica, ainda não temos medidas regulamentadas para o período da quarentena/suspensão pelo MEC, porém, vários estados têm feito uso da EaD, por meio de regulamentações dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE), como por exemplo a Deliberação CEE/SP n° 177/2020 e a Resolução n° 02/2020 do CEE/GO. Assim, escolas dos sistemas municipais e estaduais de educação, públicas e privadas, têm adotado o uso das tecnologias em momentos não presenciais durante o período.

O objetivo desta Nota é tratar do que prevê a legislação sobre o uso da EaD na Educação Básica e depois analisar a Resolução CCE/GO n° 02/2020 e suas repercussões.

Considerando a legislação vigente, podemos destacar que:

a) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), Lei n° 9.394/1996, prevê o uso da EaD:

- Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.
- Art.32 § 4º que afirma que o ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.
- § 11º do Art. 36 - Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento.

b) O Decreto que regulamenta o artigo 80 da LDB, n° 057/2017, prevê: 

- Art. 2º A educação básica e a educação superior poderão ser ofertadas na modalidade a distância nos termos deste Decreto, observadas as condições de acessibilidade que devem ser asseguradas nos espaços e meios utilizados. 
- Art. 8º Compete às autoridades dos sistemas de ensino estaduais, municipais e distrital, no âmbito da unidade federativa, autorizar os cursos e o funcionamento de instituições de educação na modalidade a distância nos seguintes níveis e modalidades:

I - ensino fundamental.
II - ensino médio.
III - educação profissional técnica de nível médio.
IV - educação de jovens e adultos.
V - educação especial. 

c) A Constituição Federal (CF) do Brasil (1988) diz que: 

- Artigo 206, incisos I e VII: Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
VII - garantia de padrão de qualidade. 

d) A Resolução CNE/CEB n°1, de 2016, que trata das Diretrizes Operacionais Nacionais para credenciamento e oferta de cursos de Ensino Médio, de Educação Profissional Técnica de Nível Médio e de Educação de define que:

- Art. 1, § 2º, exige-se que haja uma prévia e rigorosa avaliação por parte dos órgãos do sistema de ensino de origem sobre os recursos tecnológicos disponibilizados pela instituição de ensino que está pleiteando essa expansão para EaD. 

e) Considerando o estado de Goiás em que estamos inseridos, a Resolução CCE/GO n° 02/2020 prevê:

- Estabelecer o regime especial de aulas não presenciais no âmbito de todo o Sistema 
- Educativo do Estado de Goiás (Art. 1º). a O regime especial de aulas não presenciais será estabelecido até o dia 30 de março de 2020, podendo ser prorrogado.
- Atribui aos gestores das unidades escolares fazer a gestão do planejamento, elaboração e preparação de Ações pedagógicas e materiais específicos, alem de zelar pelo acompanhamento dessas atividades (Art. 3º)
- Os gestores das unidades que não implementarem as atividades não presenciais devem apresentar ao CEE ou CME calendário com proposta de reposição das aulas referentes ao Período de regime especial.

Sobre a Decisão de implementar ou não as atividades não presenciais, frente à legislação posta e pelas condições impostas, é importante destacar: 

a) Estamos lidando com uma pandemia que exige isolamento social por parte das crianças, famílias, professores, demais profissionais da Educação e comunidade em geral. É preciso preservar o momento dessa reclusão para a saúde emocional, mental e física das pessoas num momento de tantas incertezas nos empregos, nos salários, no alcance da doença. 

b) Considerando a Constituição Federal do Brasil (1988) no Artigo 206 citado, utilizar a educação a distância ou uso de tecnologias não presenciais no processo ensino- aprendizagem de crianças, jovens e adolescentes de maneira inesperada/emergente, sem tempo para o devido planejamento e formação docente para esse uso, fere os princípios I e VII, pois será impossível dar igualdade de condições para acesso e permanência (pela exclusão digital já referenciada em diversos estudos no Brasil com a falta de acesso às tecnologias digitais bem como à internet – em 2018, apenas 39% de domicílios pesquisados possuíam computador e internet; apenas 28% possuíam internet - http://data.cetic.br/cetic/explore); e, na emergência do planejamento sem formação em tempo e sem preconizar as possibilidades de diálogo e interação necessários a essa modalidade, fica difícil acompanhar e garantir padrão de qualidade dessa oferta, até porque muitos professores não dispõe de condições e conhecimentos tecnológicos para implementar as “aulas não presenciais” de suas disciplinas. Lembramos que, segundo o Decreto que regulamenta a EaD no Brasil, n° 9.057/2017, para que a EaD possa ser ofertada, devem ser “observadas as condições de acessibilidade que devem ser asseguradas nos espaços e meios utilizados e a Resolução CNE/CEB n°1, de 2016, apresenta a exigência de prévia avaliação sobre as possibilidades de uso com recursos necessários e disponíveis a todos, o que não temos garantido nas atuais condições realizadas pelos estados e municípios. 

c) A utilização de recursos online ou não presenciais na educação presencial é chamada de educação a distância, modalidade prevista, conforme visto, na LDB (Lei n° 9.394/1996) na educação formal. Sendo assim, por ser também educação, deve ser planejada e acompanhada com rigor e não adotada açodadamente num tempo tão curto e em condições desconhecidas para que as unidades escolares e os professores possam, conjuntamente e efetivamente, planejar, elaborar e preparar as ações pedagógicas e materiais específicos, bem como “zelar pelo acompanhamento dessas atividades”. Além disso, por ser modalidade, possui suas especificidades que a diferem enormemente da presencial, principalmente em seus aspectos comunicacionais e de gestão, o que exige formação para quem vai fazer uso dela ou atuar por meio dela, o que não é a realidade das escolas e dos professores. O uso emergencial da modalidade apresenta fragilidade à medida que a formação não é viável e os profissionais sem formação tenderão a fazer a transposição didática do que é feito no presencial, desqualificando a modalidade e correndo alto risco de não atendimento de padrão de qualidade previsto na CF (1988). Além disso, o que se tem presenciado e já noticiado em sites jornalísticos de países que implementaram antes do Brasil é a exaustão dos professores, com dias muito exigentes, com aumento das horas diárias de trabalho/falta de condições para tal e muitos sacrifícios, inclusive financeiros ao terem que adquirir equipamentos, acessórios e ferramentas. Somando-se a tudo isso, tem o estresse psicológico provocado pelas incertezas e mudanças.

d) Apesar de a LDB ( Lei n°9.394/1996) ter a previsão de uso da EaD na Educação Básica, essa previsão não atende a Educação Infantil (0 a 5 anos), transformando o seu uso em aspecto não legal, não previsto nessa Lei e nem no Decreto que regulamenta o seu Art. 80 – Decreto n° 9.057/2017, como apresentado anteriormente, que prevê a utilização da modalidade a partir do Ensino Fundamental. A Educação Infantil é uma etapa da Educação Básica que privilegia o compartilhamento da educação das crianças junto às famílias, priorizando a relação educar, cuidar e brincar, por meio de diversas interações e experiências, o que não pode ser desenvolvido apenas/única e exclusivamente por meio de uso digital (o que dizer a distância?). Para maior aprofundamento ver a Carta Aberta da Rede Nacional Primeira Infância.

Considerando a legislação pertinente, nos posicionamos contrários ao uso da modalidade EaD como forma exclusiva de cumprimento de carga horária de cursos presenciais na Educação Básica, que mesmo prevendo a modalidade a partir do Ensino Fundamental, não atende aos requisitos de suas regulamentações e dificilmente pode ser ofertada de forma emergencial sem ferir e garantir os direitos das crianças e adolescentes a uma educação com padrões mínimos de qualidade social. Lembramos que existe a possibilidade de reposição dos dias letivos e de discussão da redução dos 200 dias letivos. 

Goiânia, 27 de março de 2020.

 

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