
Reivindicações pela devida efetivação dos estágios curriculares obrigatórios nas licenciaturas
A Faculdade de Educação da UFG apoia as reivindicações e a consequente valorização dos professores e profissionais da educação
Condições básicas para a efetivação dos Estágios Curriculares Obrigatórios nas Licenciaturas (ECO) e consequente valorização das licenciaturas e profissionais da educação escolar básica pública.
1ª) Reconhecimento na legislação federal do trabalho do professor/profissionais da Instituição de Educação Básica (IEB) – em parceira com o professor da IES - junto aos ECO, conferindo-lhe estatuto e articulação com a carreira docente;
2ª) Reconhecimento do trabalho do professor/profissionais da Instituição de Educação Básica – em parceria com o professor da IES – junto aos ECO, nos estatutos e planos de carreira nos níveis estadual e municipal, conferindo-lhe articulação com a carreira docente;
3ª) Criação de políticas de valorização das licenciaturas tendo como alvo o ECO – Bolsas Estágio, destinadas a estudantes que realizem os estágios em escolas da rede pública de ensino; reconhecendo-se o ECO, previsto nos PPC das IES como espaço-tempo genuíno da relação entre universidade e escola, da iniciação ao exercício da docência, da unidade teoria e prática/práxis, da formação inicial e continuada;
4ª) Criação de uma comissão nacional composta por diferentes entidades com a responsabilidade de elaborar uma minuta de Instrução Normativa Federal sobre os ECO das licenciaturas;
5ª) Recomendação de mutualidade no trabalho das duas jurisdições envolvidas no ECO a ser incorporada ao art. 82 da LDBnº9394/96, de modo a redimensionar os estágios como instrumento que situe a administração dos sistemas de ensino, as escolas de educação básica e as faculdades de educação atuando conjuntamente em regime de colaboração na formação dos novos professores;
6ª) Inserção no formulário do currículo Lattes de um campo específico para o registro do trabalho do professor/profissional da Instituição Educação Básica (IEB) de acompanhar e orientar ECO;
7ª) Que as DCNs de Formação de Profissionais da Educação, os projetos institucionais das IES e respectivos PPC se pautem por projetos nos quais o ECO se constitua como eixo articulador dos diferentes componentes curriculares do curso. O ECO que se realiza nas licenciaturas é estágio de um curso, não se restringe a uma disciplina.
Exposição de motivos
Desde o ano de 1969 existe a instrução expressa de obrigatoriedade dos estágios da formação inicial de docentes do país junto às escolas da rede oficial de ensino, como se pode ler no art. 6º da Resolução nº 2 de 12 de maio de 1969 (Pedagogia) e no artigo 2º da Resolução CFE nº 9, de 6 de outubro 1969 (Licenciaturas): “Será obrigatória a Prática de Ensino das matérias que sejam objeto de habilitação profissional, sob forma de estágio supervisionado, a desenvolver-se em situação real, de preferência em escola da comunidade.” Tal ato, com força de lei, instaura o envolvimento de duas instituições sob jurisdições distintas no trabalho com os estágios na formação de professores, aspecto estrutural da formação de professores e absolutamente negligenciado na legislação que instrui o estágio desde a sua criação.
O estágio é obrigatório dos cursos de formação de professores desde 1969, conforme art. 6º da Resolução nº2 e 1969, exigência reiterada pelo teor do inciso 1º do artigo 2º da Lei 11.788/2008, que assim estabelece: § 1o Estágio obrigatório é aquele definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma. O que corresponde a dizer que, a outorga de diplomas de licenciaturas pelas IES (Instituições de Ensino Superior) está condicionada à comprovação de estágios realizados nas IEB (Instituições de Educação Básica). O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do art. 7o desta lei.
Frente ao exposto, fica claro que a legislação federal em destaque, diga-se de passagem – documento genérico de viés trabalhista e que instrui estágio para todas as profissões - indica três aspectos para a realização dos estágios: 1º) onde os estágios devem ser realizados, 2º) como devem ser acompanhados, envolvendo dois profissionais, o professor orientador da “instituição formadora” e o “supervisor da parte concedente” , 3º) as implicações da não comprovação de realização do estágio curricular obrigatório (inciso 1º do artigo 2º da Lei 11.788/2008).
O estágio curricular envolve, na grandíssima maioria das vezes, duas instituições sob jurisdições distintas que são, em geral, a IES e a IEB. A legislação federal, embora aponte onde e como o estágio deve ser realizado, se revela dúbia e omissa em relação às condições de sua efetivação, especialmente no que toca ao “supervisor da parte concedente”, restringindo a função de orientação do estágio ao professor orientador da IES e induzindo ou reiterando a participação protocolar do “supervisor da parte concedente” quando indica que o acompanhamento deste profissional seja “comprovado por vistos nos relatórios”.
Entendemos que a orientação de estágio deve ser ação compartilhada entre o professor da IES e o professor/profissional da IEB, visto que ocupam lugares distintos, mas cujas atribuições devem ocorrer em reciprocidade, aliás, como como prevê o § 1o do artigo 3º da Lei nº. 11.788 de 2008: “O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente”. No entanto, a mutualidade deste trabalho requer o enfrentamento da invisibilidade a que se relegou o trabalho da IEB no que se refere ao estágio. Como se pode verificar na legislação em escalas federal, estadual e municipal. O artigo 12 da Lei nº9394/96 elenca as ações que compõem o trabalho da IEB, mas se omite quanto ao trabalho no acompanhamento do estágio:
I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II – elaborar e cumprir plano da trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III – zelar pela aprendizagem dos alunos; IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. (LDB n. 9394/1996).
Também a Lei nº 11.738 de 16 de julho de 2008 que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, reitera a omissão quanto ao trabalho com o estágio, já que nela, os profissionais docentes das IEB são definidos pelo desempenho de atividades que não incluem o acompanhamento e a orientação de estágios curriculares:
Art. 2º § 2o Por profissionais do magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades, com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação nacional. https://legislacao.presidencia.gov.br/atos
A omissão quanto ao trabalho do profissional da IEB junto ao ECO também caracteriza o texto da Lei nº 14.817, 17 de janeiro de 2024. A lacuna da legislação federal sobre o trabalho do professor/profissional das escolas no acompanhamento do estágio é ratificada pela legislação dos sistemas estadual e municipal de ensino, aos quais estão jurisdicionadas as IEB. Constatou-se que das 27 unidades federativas do Brasil, apenas uma prevê o trabalho do professor/profissional da IEB no acompanhamento e orientação de estágios no respectivo Estatuto do Magistério. E, diga-se de passagem, não há ali articulação com a carreira.
A par de que a disputa pelas IEB, no tempo presente, seja uma estratégia da denominada ideologia da profissionalização, não se pode secundarizar a “cultura técnica” – diferente de neotecnicismo, aplicacionismo e afins – que pressupõe a formação de profissionais da educação, especialmente perspectivada pelos estágios curriculares obrigatórios.
Ademais, aspectos circunstanciais corroboram as reivindicações aqui apresentadas, dentre os quais a) a “novidade” da avaliação das licenciaturas proposta pelo ENADE 2024 em que professores/profissionais das IEB passarão a avaliar o trabalho de “supervisão” de estágio que foi realizado como “favor”; b) o movimento de fundações empresariais que pautam programas de estágio das secretarias, induzindo ao aparelhamento do estágio e obstruindo as condições de mutualidade/reciprocidade que deve constituir o trabalho das duas jurisdições envolvidas; c) a opção de professores/profissionais das IEB por programas paralelos remunerados em prejuízo dos estágios curriculares obrigatórios; d) o distanciamento entre as instituições formativas e o funcionamento das escolas no âmbito dos sistemas de ensino, demandando uma forte articulação entre os cursos de formação e o funcionamento das escolas, em que os estágios sejam redimensionados como instrumento que situe a administração dos sistemas de ensino, as escolas de educação básica e as faculdades de educação atuando em regime de colaboração na formação dos novos professores; e) farta literatura que descredencia o ECO indicando suspeição sobre o modo como são realizados, acompanhados, falta de formalização, estágio ao “deus-dará; f) a necessidade premente de que as IES discutam e tenham maior clareza sobre qual o papel da IEB na formação de professores/profissionais da educação: estágios curriculares obrigatórios, programas paralelos de “iniciação à docência”, PCC, extensão, pesquisa. É preciso se antecipar a esta discussão, seja porque se trata de instituições sob jurisdições distintas, seja sob pena de comprometer o estrutural de cada uma das jurisdições envolvidas.
Cumpre recordar algumas iniciativas concernentes à questão da remuneração nos estágios. Nos anos 1980 havia “apoio técnico e financeiro” do governo federal em quinze unidades da federação que tinham o CEFAM, incluindo-se São Paulo estado este que ofertava bolsa para estagiários; articulação entre estágio e progressão de carreira docente no Paraná, 2017; bolsa para estagiários no Espírito Santo, 2010; bonificação e progressão – Goiás, 2023) são relevantes e devem ser postas na mesa de debate que promova a produção de instrumento nacional que possa instruir ações estaduais e municipais, universalizando a política de efetivação dos estágios docentes. Neste sentido é importante lembrar que a ANFOPE, em 1990, propunha que o projeto de lei da LDB incluísse no art. 97: “os professores da escola-campo de estágio envolvidos com a supervisão das atividades dos estagiários deveriam receber gratificação (além de outros estímulos) não inferior a um salário-mínimo - enquanto estivessem nesta função - a ser regulamentada pelos Sistemas de Ensino.” (1990, p. 29). Em certa medida se trata de instituir uma “cooperação federativa” (Documento Referência CONAE 2024, p, 40), relação ente União, estados, Distrito Federal e municípios com vistas à garantia de melhoria na efetivação dos ECO, assim, conforme prevê o art. 214 da Constituição Federal, permite articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino.
Por fim, a qualificação dos estágios nas IEB da rede pública estadual e municipal é imprescindível para a qualificação da formação inicial de profissionais da educação realizada pelas IES. Trata-se de um trabalho que implica na reciprocidade entre IES e IEB, articulação entre formação inicial e continuada, unidade teoria e prática/práxis. É ainda uma medida que contribui para assegurar a qualidade dos estágios realizados nas unidades de educação básica da rede federal de ensino, instâncias muito demandadas pelos ECO. É fundamental assegurar condições de efetivação do estágio nas licenciaturas com a implementação de dispositivos que garantam as condições de interlocução e parceria entre os sujeitos das duas jurisdições envolvidas no estágio, contribuindo-se assim para a reparação histórica do vácuo da legislação a esse respeito que integra o arcabouço das políticas de formação docente, há mais de meio século. Há que se atuar na raiz de problemas estruturais das licenciaturas, como se propõe a partir das sete reivindicações aqui apresentadas, o que se distingue de medidas parciais e socorristas como o anúncio do programa “pé de meia para as licenciaturas”.
Notas:
1 - O reconhecimento legal deste trabalho não tem efeito compulsório sobre o trabalho do professor/profissional da IEB, este que deverá ser consultado, ocasionalmente, sobre o interesse em desempenhar a função de acompanhar e orientar os ECO.
2 - Dispositivo que simplifique a burocracia do estágio ensejada pela lei genérica vigente; estabeleça diretrizes para a formação dos profissionais das IES que receberão estagiários e licenciaturas, pautando-se pela reciprocidade das instituições envolvidas e impactando os PPC das IES e PPP das IEB; instituição de instância de comunicação entre IES e IEB; qualificação do teor dos convênios com emprego de nomenclatura da semântica da docência; qualificação das contrapartidas; e, fundamentalmente, confira tratamento cioso da reciprocidade/mutualidade do trabalho dos sujeitos e instituições envolvidas no ECO.
3 - A exceção ocorre no caso de Colégios de Aplicação vinculados a algumas Faculdades de Educação de universidades federais.
Pelas razões expostas, solicitamos a manifestação de apoio a estas reivindicações, a partir das quais se pretende fomentar o debate junto às entidades e instituições congêneres afins à temática, bem como endereçá-las às respectivas esferas compatíveis.
Equipe de Professores da área de Didática e Estágio da FE-UFG
Núcleo de Formação de Professores – NUFOP/FE-UFG
Faculdade de Educação - UFG
Associação Nacional de Didática e Prática de Ensino – ANDIPE
GT 4 Didática – ANPED Nacional
GT 4– Didática – ANPED Regional Centro Oeste
Fórum de Licenciatura da UFG
Associação Nacional de Política e Administração Escolar – ANPAE Seção Goiás
ANFOPE Centro Oeste
XXII ENDIPE - Plenária Final realizada em João Pessoa/PB, aos 09 de novembro de 2024
Acesse também a íntegra do texto em PDF.
Palavras-chave: ESTÁGIO – DIRETRIZES – LICENCIATURA – POLÍTICA - LEGISLAÇÃO.
Categories: Notícias